review Flores Guardadas no Chão das Pedras
O passado, esquecido das consequências, plantou as raízes da destruição da Natureza, fingindo que nada lançara nas mãos da fatalidade. Quem acreditaria que as chuvas se tornariam memória? Que o pó conquistaria o campo de visão e o medo da antevisão? Que a sede se satisfaria no líquido barrento que se oferecesse às mãos em concha? Que os solos áridos se revoltariam contra a sobrevivência? Que os incêndios seriam como que fonte de iluminação e calor permanente? Que o «vírus de Lisboa» se espalharia como rastilho que aponta à destruição? No meio que um mundo que o Homem transformou em meio mundo, ou menos do que isso, o futuro, esquecido das promessas, abeirou-se do precipício. Do todo ao quase nada que restou, viram-se as pessoas envoltas na loucura de sobreviver adicionando desumanidade ao que estava já para além dela. Para escapar da prisão física ou ao cárcere da mente, uma réstia de pensamento poético.
Um livro que não deixará ninguém indiferente. Forte. Compulsivo. Perturbador. Como pode ser a ficção inspirada nas pistas que a realidade vai deixando. Flores Guardadas no Chão das Pedras
Não sei onde estou. Que casa é esta onde o tempo não acontece, os dias não existem, os passos nada significam? A janela é um desafio, temo que um dia a fechem e me impeçam de me evadir por ela para visitar a memória dos dias soalheiros, da chuva nos telhados da casa antiga, da casa onde os sonhos se fechavam em gavetas e o cheiro da terra se guardava nas mãos.
Lisboa 2050, num dia igual a tantos outros um icebergue afunda a capital e liberta um vírus altamente infeccioso que ataca não só as pessoas como todos os seres vivos.
O terror toma conta do país e começa uma guerra civil entre o Norte e o Sul pela posse do governo.
No meio deste caos surge Mafalda, uma heroína improvável que não se conforma com o totalitarismo do poder, da lei marcial imposta e das pessoas estarem a ser substituídas pela Inteligência Artificial para acabar com todas as emoções inerentes ao ser humano.
As Flores Guardadas no Chão das Pedras é uma distopia brutalmente real. Com as alterações climáticas, a inteligência artificial e a subida ao poder da extrema-direita por esse mundo fora, é muito fácil ver o planeta Terra sofrer como sofre neste livro. Este livro é também muito perturbador, nós sentimos o sofrimento dos sobreviventes deste virus, assistimos à morte indiscriminada dos seus entes queridos e a sua luta diária em resistir à ditadura e à falta de empatia de quem os governa.
Com o recurso à prosa alternada com a poesia, António Oliveira e Castro apresenta-nos de forma brilhante uma época triste e sem esperança para a raça humana.
A acção decorre entre os anos de 2050 e 2056, são seis anos horríveis que culminam num final muito assustador e verosímil que esperemos que nunca aconteça. António Oliveira e Castro